terça-feira, 24 de março de 2015

O tempo suspenso das trocas preciosas (2)

Há um mês pisei em solo brasileiro, depois de um semestre no mundo europeu. Muita gente me pergunta se já estou com saudades de lá. Eu digo que não, que ainda não matei por completo a saudade daqui.
Pareceram uma eternidade esses 180 dias no exterior. Mas agora já me readaptei à vida, e sinto que a viagem passou rápido e que não vivi tudo que eu queria lá. Parece que o tempo do intercâmbio foi um tempo suspenso. Suspendeu minha vida no Brasil, porque tudo ficou me aguardando exatamente como deixei. As pessoas, os lugares, os lazeres, os estresses, o estudo, o trabalho. Retomei tudo exatamente de onde parei.
Kiara Terra foi quem falou do “tempo suspenso das trocas preciosas”. Sabe aquele momento de êxtase em que você experimenta uma sensação indizível? Pode ser uma conversa, pode ser um riso, pode ser uma troca de olhares ou um abraço intenso. É um momento em que o mundo ao redor para, deixa de existir – e você só vê aquele momento, como se ele fosse o mundo inteiro. O seu mundo.
A Europa foi assim. Não foram seis meses de sensações indizíveis, é claro. Mas foram seis meses suspensos de trocas preciosas. Intercâmbios com a cidade, com a cultura, com os estudantes, com as aulas, com os professores. Infinitude de preciosidades – é o que esse intercâmbio representou para mim. A preciosa saudade, os preciosos lugares históricos, as preciosas viagens, as preciosas amizades, a preciosa língua italiana. Também o precioso aprendizado, o precioso sofrimento, os preciosos choros de tristeza ou de saudade ou de desespero. O precioso crescer.
Porque a vida se faz dentro da possibilidade preciosa de crescimento. De ser melhor do que se foi ontem. Num processo contínuo e infindável.
Sabe por que se classificam determinadas pedras como preciosas? Porque elas sofreram um processo químico, de milhares de anos, que envolve elementos certos, temperatura certa, pressão certa.
É disso que se trata uma vida preciosa. É a vida que se permite adentrar nesse processo complexo de se melhorar e de acreditar na melhora da humanidade.
Acho que a Europa me fez melhor. Não no sentido de ter me tornado melhor do que os outros. Mas no sentido de me tornar um pouco mais bem preparada para o mundo adulto. Um pouco mais bem preparada para encarar o mundo lixo e para lidar com pedras nada preciosas que com certeza encontrarei por aí.
A Itália não é pedra bela e perfeita, como eu já disse em outro texto. Mas é uma pedra que já passou por um processo de milhares de anos – restando apenas poli-la para encontrar nela um brilho e um quê de preciosidade.
Assim como podemos encontrar um quê de preciosidade na humanidade. Se continuarmos tentando.

Que a tentativa não seja falha. Que a humanidade não se canse. Que não seja tarde demais.