sábado, 10 de janeiro de 2015

Roma (in memoriam)

E começa um novo ano. E então começam as promessas. E as lembranças. Memórias. O que é a vida humana senão memórias? Lembro-me de um dos melhores filmes que vi no FICA de 2013, um documentário sobre uma cidade decepada por uma inundação. O que restaram? Memórias, apenas. Os ex-habitantes da cidade contando as suas vidas e a vida da cidade nelas. Como se a cidade fosse um ente querido da família que a morte levou antes do tempo.
E qual é o tempo certo da cidade? De Goiânia, com menos de 100 anos, venho parar em Roma, a cidade que sobreviveu a milênios de guerras, pestes, saques, incêndios, conquistas. A memória da cidade está em cada morador daqui. Cada um deles viveu um pouco da história de Roma e construiu nela um pouco da sua história (ou toda ela).
Lembro-me de uma das experiências mais lindas que tive aqui, logo no começo do intercâmbio. Durante um passeio, eu e meus amigos encontramos um senhorzinho que caminhava às margens do rio. Ele começou a conversar conosco e a “fare il professore”. Nos ensinou tanto da cidade que eu quase que me senti parte dela (ou com vontade de sê-lo). Mostrou-nos que não é um habitante qualquer que vive envolvido com seus mil afazeres e não tem tempo para apreciar a cidade. Ele ama a cidade, assim como os habitantes da cidade inundada. Nos disse mil histórias e nos contou a história por trás de cada estátua, cada monumento, cada palavra ou abreviação escrita em latim que a quase todos parece indecifrável.
E percebo que a vida é não só memórias mas também percepção. É sentido, é sensação. Porque até mesmo a nova cidade de Goiânia pode ser cheia de monumentos históricos e belezas memoráveis, se percebida em sensações, se sentida quase que no tato.
Experimentei-a assim uma vez. Em um espetáculo teatral chamado “Entrepartidas”, talvez o espetáculo mais inusitado e belo que já assisti, em que histórias eram encenadas de modo tão palpável que era impossível acreditar ser ficção. As cenas se davam em vários lugares do Centro de Goiânia, e ao fim de cada cena um ônibus nos levava (nos transportava oniricamente, eu diria) para o próximo palco cênico. [no próximo post, o texto que escrevi logo que saí do espetáculo]
Praça Cívica, Coreto, Avenida Goiás, Rua 20. As memórias da cidade estão ali também. E está ali também a beleza da cidade, em seus jardins e em sua arquitetura e em seus habitantes. Em cada esquina, em cada prédio, em cada rua – memória.
E é o que deixamos e o que levamos de cada cidade. De Goiânia parti trazendo memórias de momentos infindáveis e carregados de amor e saudade. E o que levo de Roma é nada além de memórias. De um lugar em que tanto aprendi, que tanto sofri, que tanto sorri, que tanto vivi, que tanto cresci. De pessoas de que tanto gostei e outras de que desgostei. Dos lugares inesperadamente incríveis que visitei. Das aulas em que tanto aprendi. Dos tapas na cara que tanto levei. Enfim, dos sentidos e sensações que experimentei.
É fato que uma pessoa que viveu seis meses em uma cidade com milênios de história não a marcará tanto quanto a cidade me marcou.
Mas deixo cá minhas palavras como minha marca e minhas memórias. E digo que voltarei.

Quem sabe um dia, quem sabe em anos, Roma se lembrará de que aqui habitei.


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