E começa um novo ano. E então começam as
promessas. E as lembranças. Memórias. O que é a vida humana senão memórias?
Lembro-me de um dos melhores filmes que vi no FICA de 2013, um documentário
sobre uma cidade decepada por uma inundação. O que restaram? Memórias, apenas.
Os ex-habitantes da cidade contando as suas vidas e a vida da cidade nelas.
Como se a cidade fosse um ente querido da família que a morte levou antes do
tempo.
E qual é o tempo certo da cidade? De Goiânia,
com menos de 100 anos, venho parar em Roma, a cidade que sobreviveu a milênios
de guerras, pestes, saques, incêndios, conquistas. A memória da cidade está em
cada morador daqui. Cada um deles viveu um pouco da história de Roma e construiu
nela um pouco da sua história (ou toda ela).
Lembro-me de uma das experiências mais
lindas que tive aqui, logo no começo do intercâmbio. Durante um passeio, eu e
meus amigos encontramos um senhorzinho que caminhava às margens do rio. Ele
começou a conversar conosco e a “fare il professore”. Nos ensinou tanto da
cidade que eu quase que me senti parte dela (ou com vontade de sê-lo).
Mostrou-nos que não é um habitante qualquer que vive envolvido com seus mil
afazeres e não tem tempo para apreciar a cidade. Ele ama a cidade, assim como
os habitantes da cidade inundada. Nos disse mil histórias e nos contou a
história por trás de cada estátua, cada monumento, cada palavra ou abreviação
escrita em latim que a quase todos parece indecifrável.
E percebo que a vida é não só memórias mas
também percepção. É sentido, é sensação. Porque até mesmo a nova cidade de
Goiânia pode ser cheia de monumentos históricos e belezas memoráveis, se
percebida em sensações, se sentida quase que no tato.
Experimentei-a assim uma vez. Em um
espetáculo teatral chamado “Entrepartidas”, talvez o espetáculo mais inusitado
e belo que já assisti, em que histórias eram encenadas de modo tão palpável que
era impossível acreditar ser ficção. As cenas se davam em vários lugares do
Centro de Goiânia, e ao fim de cada cena um ônibus nos levava (nos transportava
oniricamente, eu diria) para o próximo palco cênico. [no próximo post, o texto que escrevi logo que saí do espetáculo]
Praça Cívica, Coreto, Avenida Goiás, Rua
20. As memórias da cidade estão ali também. E está ali também a beleza da
cidade, em seus jardins e em sua arquitetura e em seus habitantes. Em cada
esquina, em cada prédio, em cada rua – memória.
E é o que deixamos e o que levamos de cada
cidade. De Goiânia parti trazendo memórias de momentos infindáveis e carregados
de amor e saudade. E o que levo de Roma é nada além de memórias. De um lugar em
que tanto aprendi, que tanto sofri, que tanto sorri, que tanto vivi, que tanto
cresci. De pessoas de que tanto gostei e outras de que desgostei. Dos lugares
inesperadamente incríveis que visitei. Das aulas em que tanto aprendi. Dos
tapas na cara que tanto levei. Enfim, dos sentidos e sensações que
experimentei.
É fato que uma pessoa que viveu seis meses
em uma cidade com milênios de história não a marcará tanto quanto a cidade me
marcou.
Mas deixo cá minhas palavras como minha marca
e minhas memórias. E digo que voltarei.
Quem sabe um dia, quem sabe em anos, Roma
se lembrará de que aqui habitei.
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